Jung dizia que a neurose era fruto das obrigações e deveres que o indivíduo estava evitando cumprir.  A tarefa da análise é descobrir quais são essas obrigações que precisam ser realizadas para que ocorra a adaptação necessária ao mundo exterior e interior. Jung diz:

“A colocação verdadeiramente esclarecedora do problema [da neurose] é de ordem prospectiva. Já não se pergunta: o paciente tem complexo de pai ou de mãe, ou fantasias incestuosas inconscientes. Sabemos, hoje em dia, que todos os temos. Foi um erro pensarmos outrora que só os neuróticos os possuíam. Perguntamos antes: quais as obrigações que o paciente não quer cumprir? Quais as dificuldades deseja evitar?” (Jung, 1912/2013, p. 189)

Essas obrigações não são simplesmente se conformar às regras ou, ao contrário, buscar satisfazer seus desejos egoístas, mas sim cumprir a obrigação para consigo mesmo de levar uma vida plena de sentido que, no ser humano, inclui aspectos coletivos e individuais.

Enquanto para nos adaptarmos ao mundo exterior sempre recebemos incentivos de todos os lados, os meios simbólicos necessários para nos adaptarmos ao mundo interior podem ficar negligenciados, o que gera um dos sintomas mais difíceis de tratar: um cinismo racionalista e rebelde, que elimina toda a possibilidade de encontrar um sentido mais profundo para a vida.

Os símbolos religiosos e filosóficos sempre tiveram um papel vital na expressão de um sentido para a vida. Assim, eles também são capazes de devolver ao neurótico esse sentido perdido. Não que os neuróticos devam ser forçados a decorar dogmas religiosos e filosóficos. O objetivo é despertar a atitude religiosa e filosófica, que são expressões da atividade instintiva da psique:

Através da atitude religiosa, que consiste em considerar cuidadosamente o aspecto simbólico da vida, que inclui os símbolos que surgem naturalmente do inconsciente, dando-lhes a devida importância e buscando os meios necessários para compreendê-los, o indivíduo reencontra essa voz interior, cuja perda dá origem à condição neurótica. 

Assim, ele passa a compreender essa dimensão simbólica da vida através de suas próprias experiências interiores, deixando a condição do racionalista desenraizado de si e voltando a participar da comunidade humana. Nos alienamos dessa comunidade quando passamos a ver a vida através da perspectiva de um objeto inanimado, ou melhor, de uma máquina, para qual os mitos e os símbolos não fazem sentido nenhum.

Por outro lado, qualquer um que tenha passado pelos estágios que configuram uma transformação profunda de sua personalidade entenderá sem dificuldade os mitos de morte e renascimento, o combate com o dragão, a busca pelo tesouro mais precioso do mundo, etc. Portanto, para compreender os símbolos contidos nos mitos é necessário mais que capacidades intelectuais, é necessário ter vivido certas experiências.

Referências:

Jung, C. G.; Tentativa de apresentação da Teoria Psicanalítica, in: Freud e a psicanálise; Petrópolis: Vozes: 2013 (trabalho original publicado em 1912)

Jung, C. G.; Da formação da personalidade. in: O desenvolvimento da personalidade; Petrópolis: Vozes, 2013 (trabalho original publicado em 1934).

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