De acordo com Jung, a mãe devoradora pode ser representada por várias criaturas mitológicas, como a bruxa, a sereia, a mulher serpente (Lilith) ou qualquer animal devorador que se enrosca como peixe grande ou uma cobra.
Essas figuras normalmente são, ao mesmo tempo, sedutoras e traiçoeiras. As sereias, por exemplo, seduzem os marinheiros com seu canto para afogá-los. O psicólogo Jordan Peterson observou esse mesmo padrão na bruxa de João e Maria, que enche as crianças de doces antes de devorá-las.
A figura da mãe devoradora inicialmente convida à indolência e ao hedonismo. Porém, essa falta de esforço e excesso de prazer tira do indivíduo sua autonomia, tornando-o incapaz de aceitar voluntariamente os sofrimentos e os riscos da existência, que ele passa a enxergar como algo a ser evitado e não como o caminho para o crescimento.
Ao aceitar ser dominado por essa figura, o ser humano não só se mantém criança, mas se animaliza cada vez mais, se tornando escravo dos seus vícios, até ser devorado por eles. Vemos um exemplo disso na Odisseia, quando os companheiros de Ulisses são seduzidos pela bruxa Circe e tomam sua poção, se transformando em porcos.
Tradicionalmente, os rituais para se livrar destas influências malignas envolviam algum tipo de sacrifício animal ou cerimônia de auto sacrifício. Psicologicamente, isso significa que temos que aprender a sacrificar essa forma animalesca, representada pela mãe devoradora, para nos tornarmos realmente humanos. Esse processo não pode acontecer sem a aceitação voluntária da dor necessária.
Diferente dos seus companheiros, Ulisses conseguiu entrar em contato com Circe, submetendo-a, sem se transformar em animal, já que ele tinha recebido a planta Móli, que cresceu do sangue do pai dela. Assim, ele tinha o princípio oposto, masculino e paterno, dentro de si, o que fez com que ele pudesse entrar em contato com os prazeres sem ser completamente dominado por eles. Claro que o princípio masculino, associado com a lei e a ordem também pode se tornar patológico. O recomendável é que exista um equilíbrio entre ambos. Por isso, a planta Móli, que é o antídoto para veneno do Circe, tem raízes negras e flores brancas, representando esse equilíbrio entre os opostos.