Jung diz que quando o símbolo da criança  surge na psique do indivíduo, ele pode representar a antecipação de desenvolvimentos futuros, indicando uma transformação vindoura da personalidade.

De acordo com Jung, um dos significados da criança é o futuro em potencial. O psiquiatra Erik Goodwyn diz que  esse símbolo  indica a necessidade de se executar um ato criativo, necessário para atingir o próximo estágio no desenvolvimento da personalidade. A criança é uma promessa de renovação, que precisa de cuidado e atenção para se manifestar. Goodwyn inclusive diz que, durante a produção do seu livro Neurobiology of the Gods, que durou vários anos e que envolveu a superação de muitos obstáculos, ele sonhava constantemente que estava cuidando de uma criança, que tinha que ser protegida contra diversas ameaças.

Na mitologia, esse símbolo  aparece como a criança divina, que precisa ser cuidada mas que também é considerada um guia. Outra característica dessas crianças com nascimento mágico é a sua capacidade de renovar o mundo. Exemplos são a imagem de Cristo como criança pregando no templo, ou Buda, que já nasce andando e afirmando seu domínio do universo. Ambos prefiguram indivíduos que transformaram radicalmente o mundo em que viveram.

Enquanto os arquétipos do pai e da mãe nos impelem a ser algo, o arquétipo da criança mostra a necessidade de fazer algo. O cuidado com o desenvolvimento desta criança representa o cuidado com o desenvolvimento da própria personalidade, que exige os maiores esforços e sacrifícios para se concretizar. A criança não espera passivamente por esses cuidados, ela os exige, ela chora, para garantir que a tarefa seja cumprida, daí o seu papel de filho e mestre.

Outro padrão que se repete na história da criança divina são as ameaças sofridas. Ela é ameaçada tanto pelo antigo rei e pela comunidade, como por animais e criaturas monstruosas. Para Jung, isso significa as pressões coletivas externas, do grupo, e internas, dos instintos, que ameaçam o processo de individuação, ou seja, impedem o sujeito de tornar-se quem ele realmente é.

Mesmo assim, apesar dessas ameaças e até de eventuais mortes, a criança divina sempre retorna do mundo dos mortos e continua impulsionando na direção do desenvolvimento, mostrando que o impulso para a individuação acaba sempre forçando sua manifestação no final. Esse impulso visa organizar todas as partes diferentes da psique em um todo coerente, para levar o indivíduo à totalidade.

Se estivermos na mesma direção deste impulso para a individuação, o resultado é positivo, ampliando a consciência e a personalidade. Porém, se a consciência resiste a este impulso, ela acaba por ser despedaçada por ele, como nos casos de surtos psicóticos e outros colapsos psíquicos.

Referências:

Goodwyn, E. D.; The Neurobiology of the Gods: How Brain Physiology Shapes the Recurrent Imagery of Myth and Dreams; Londres: Routledge, 2012

Jung, C. G.; Os Arquétipos e o inconsciente coletivo; São Paulo: Vozes, 2014

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